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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Transa. Noise. Silêncio.

Eu não gosto do silêncio. Gosto de andar pelas ruas cavernosas e escuras escutando meu poderoso mp3 e me esquivando dos ladrões, e das garotas reboladeiras que me causam tanto asco. O silêncio é um deus pagão na minha religião, que cultua a mim mesmo. O silêncio é meu maior inimigo. No silêncio, posso ouvir meus pensamentos. Achais que quero ouvir meus pensamentos? Achais que quero me conhecer? Achais que quero achar as soluções e pescrutar as profundezas da filosofia? Erraram. Porra nenhuma! Ieca. Só quero ouvir o meu som, nas intensidades das alturas, na barreira do limite, junto às margens do infinito. O mundo sou eu e os meus sons deliciosos, e, se fecho os olhos por um instante, sinto que meu ser é apenas ondas sonoras. Não gostei dessa última frase, vou recortá-la. Gosto de andar pelas ruas com a cara fechada e meus fones nos ouvidos, e fingir que as pessoas que se acotovelam e andam por aí cuspindo testosterona são apenas figurantes do meu videoclip. Continueis atuando, isso, estão ótimos, esse enquadramento está perfeito. Sorriam! Violência, confusão, fúria desperdiçada, futilidade, perda de tempo, danças símias e tribais, poses artificiais e nem um pouco belas. Lindo! A decadência humana compõe a tela perfeita para ilustrar o som ensurdecedor que sai dos meus fones de ouvido. O barulho é meu silêncio, e o silêncio é uma aberração. O silêncio é um deus pagão. Não preciso do silêncio. Achais que quero ouvir seus gemidos? Gosto de transar com a música nas alturas, e com seus gemidos dentro do compasso. Sequer quero conversar contigo. Quero apenas sua belíssima música transpirando por todos os nossos poros e transcendendo nossos pensamentos. Nesse momento quero ser uma canção pós-punk. quero que um som percursivo, totalmente anormal e repetitivo ataque meu ouvido esquerdo até que eu sofra de um edema, enquanto uma no meu ouvido direito uma duplicada voz feminina cante um mantra infernal. Oh, sim, isso, baby, quero ser uma canção pós-punk. Quero morrer neste intante. Quero ouvir uma gravação longínqua e repassar na minha cabeça todos os detalhes da gravação e da mixagem: o estúdio onde foi gravado, o tipo de isolamento das paredes, a posição da bateria. Quero sentir o reverber todo na minha cabeça e vislumbrar o estúdio na minha cabeça, como se fosse um reminiscência. Sentir na minha alma o tipo de revestimento das paredes do estúdio, e a voz dela gemendo fundo no meu peito.
Abomino o silêncio. Não quero ouvir meus pensamentos. Não quero ouvir o silêncio do mundo. se quisesse iria para o espaço.

Também gosto do barulho das ruas: os passos, os carros, o vento, as árvores, o dinheiro contado, os camundongos conversando, as latinhas chutadas, os cassetetes comendo, o guinchos e silvos dos maloqueiros, os guinchos e silvos das piriguetes, os guinchos e silvos dos alunos e dos professores, principalmente, a histéria generalizada,  o almoço cozinhado,  o batom roçando os lábios, o asfalto torrando, o céu evoluindo, saltos de all star, saltos de coturno, saltos de botina, solas de sapatilha, saltos de sapato, saltos de sapato, solas de borracha. Sistema hidráulico! Máquinas.... sorvete. Parafusos. Mãos indecentes. Todos os sons: Amo-os todos. Este texto durou um álbum. Este álbum durou um texto. E a música durou uma vida inteira.  Oh! Os sons... amo-os todos! Mas o silêncio: não. O silêncio: é um deus pagão.