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segunda-feira, 14 de abril de 2014

som de porrada: foda de dez minutos

Eu lembro da nossa primeira e única vez. Estava de camiseta amarela clara, cabelos vermelhos e, obviamente, com shorts jeans. Usava chinelos de dedo e isso, próximo as vestimentas das outras pessoas do local, era até arriscado perder uma unha ou até o mesmo o dedo.

Conversando sobre brincos e presentes, eu ficava pulando de rodinha e rodinha de pessoas que tomavam Cantina da Serra do lado de fora da casa de show. Falava sobre estudos, música e drogas com as pessoas e percebi que fora estava mais cheio que dentro.

Corri pela porta e ao passar pelo segurança, levei umas 15 carimbadas de um símbolo/palavra que não me recordo - para falar a verdade, me lembro de poucas coisas naquela noite. Dentro estava escuro como era de se esperar e as pessoas que vestiam camisas pretas, calças pretas, meias pretas, botas pretas, maquiagem preta, balançavam a cabeça inclinando seus corpos em coro.

A banda queimava o palco com os pés e mãos e eu só conseguia ficar estática, apesar de minha alma parecer estar em um carro a 160km/h. Por dentro, fervia e via lava quente escorrer pelas pernas finas que sempre tive. Por fora, apenas os olhos ressaqueados e esbugalhados olhava tamanha energia. Sentia o som balançar meus cabelos e arrepiar os pelos do braço, como quando suspiram sacanagens no bico de meu seio.

A imagem chegava em meu cérebro em slow motion e tudo o que via eram as luzes fazendo desenhos e contrastando com o breu do lugar. Vermelho era a cor daquela música - e para quem me conhece sabe o que isso é. Sentia cada nota manchar meu batom e me levar a um extase que só me fazia pensar em uma coisa: o rock não morreu, mas quero morrer logo depois de sair por essa portar para não perder essa sensação.

A banda estava em fúria. Eu entendia poucas palavras das letras mas senti cada uma delas como shots de tequila que esquentam o corpo quando cai no estômago. Eu tremia as sobrancelhas e tentava me prender a todos os minutos que eu tinha para ver tal banda.

Eles se debatiam no palco, faziam expressão de dor e raiva. Meu ser entrou em transe e, como coito interrompido, o som se desfez. Um silêncio enorme no local fez as pessoas aplaudirem como quem viu um show de duas horas, quando voltaram a si.

Minha mente, ainda alcoolizada pela noite anterior, voltou ao meu poder. Meu corpo, irritado, se indignava com minh'alma por não ter conseguido flexionar um musculo sequer.

Eu procuro Devana para me despedir, afinal, o que eu queria ouvir mais além do que já tinha ouvido?

A banda era enema noise (assim minúsculo, por que eu quis). E não importa muito sobre sua origem, referências musicais ou os grandes ídolos dos integrantes. O que interessa é que em meio a cordas quebradas, vozes rascantes, luzes coloridas, era possível o velho rock 'n' roll sair da cadeiras de rodas, soltar as seringas de soro - ou será heroína? - e comer minha alma como quem devora bolinhos de chocolate.

Eles lançaram um álbum chamado "Manual pouco prático do desapego" que tem tocado todos os dias na minha playlist digital e a toda distração da minha mente.

Confere aqui no link: http://enemanoise.bandcamp.com/

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