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quinta-feira, 5 de maio de 2011

In Between Days



Acordo às dez e meia. Sempre neste mesmo horário a mais de uma semana. sempre com uma dor de cabeça desgraçada. Escuto as discussões corriqueiras de meus pais, sempre por coisas inúteis, ligo o computador o barulho de seus coolers é hipnotizante e começo a cambalear sonolento meus olhos coçam e tentam fechar-se por si mesmo, mas forço-os para não o fazer, digito a senha, o estalar das teclas de meu velho teclado é quase que musical pra meus ouvidos. Dois cliques com o botão direito do mouse, e o player de musicas debulha se diante de meus olhos um círculo luminescente de um leve lilás gira carregando as mais de 15 mil músicas em meu HD, em sua barra de pesquisas eu digito pos-punk, e o player escava uma torrente de musicas coloco-as em reprodução aleatória e maravilhosamente ou talvez coincidentemente o player toca in between days, fico a cambalear entre o eu desperto e o eu do sonhar. Embalado pela voz maravilhosa do Robert Smith, meu pai bate na porta acusa-me de certas procrastinações e afirmo ser inocente ate que provem o contrario, coisa que sempre conseguem fazer, olho os ossos pendurados em minha parede ao lado de um recorte de revista com minha musa Carol Trentini, ela me encara com seus olhos claros refletindo a luz da câmera que capturou sua antropofágica beleza, o olhar dela e tão enigmático que parece traçar o papel e vir de encontro ao meu. Um vento fortíssimo entra em meu quarto repentinamente levanta o recorte que revela uma fotografia minha três por quarto com bigodes de Salvador Dali feitos a nanquim os ossos balançam e ao chocarem-se uns contra os outros emitem um barulho aconchegante e tenebroso olho para a janela o sol fortíssimo, fazia meus olhos arderem pelo sono talvez, já tem mais de uma semana que não fumo, nem bebo, nem uso nenhum tipo de entorpecente, sinto-me estranho. Com o uso dessas coisas sentia que mostrava o verdadeiro eu aos outros ficava mais alegre, menos calado, e mais lascivo, mas agora me sinto preso a responsabilidade de encontrar e saber quem realmente sou. Ainda sinto um ódio profundo por não estar mais tocando. Sinto muita falta dos eventos, sinto falta de estar em cima do palco, sinto falta das pessoas gritando enquanto solava, sinto falta do VS (Visual Shocker), sinto muita falta de pintar. Estou sem pinceis a mais de três meses e o que me resta e escrever estas merdas em meus textos eu pareço tão interessante, pobre Lia Luft, levanto-me da cadeira que se arrasta preguiçosa vou à janela olho as nuvens, adoro vê-las adoro suas formas polimorfas adoro seu mover vagaroso fazem-me pensar que elas mesmas regem seu próprio tempo sua inconstância me atrai de uma maneira aqui indescritível, dou as costas a elas dirijo-me a sala, vazia apenas os dois sofás com seus panos enrugados com suas marcas de traseiro, a estante empoeirada, a decrépita caixa de elétrons, o calendário de deputado próximo a fotografia de meu bisavô espanhol e de meu falecido tio João, meu pai era João, meu tio que ainda vive é João, todos seguidos de Ruas e Filho, e apenas um bastardo que tem o nome de Cristiano, mas também seguido de Ruas. É estranho como as pessoas se vão parecem ficar apenas nas fotos, eu queimei as fotografias de meu pai, não quero velo já basta olhar pro meu rosto.

Chego ao telefone digito o numero de meu amigo somos estranhamente parecidos, o que nos diferencia é a altura e a cor, mas se tirassem nossos cérebros de nossas caixas cranianas e os pesassem o dele seria mais pesado, vou apertando vagarosamente 3-3-3-9-2-3-2-3 sinto os pulsos insistentes do chamar do telefone, sua Irmã atende:

“Alô?”

“oi, com licença o Devana está?”

pera aí

Ouço o telefone ser colocado sob a mesa ou que quer que seja que elas usam pro mesmo repousar ouço seus singelos paços em direção do quarto do mesmo, parece parar na porta, ouço-a dizer:

“Devana Telefone.”

Um silêncio momentâneo. Ouço o caminhar, enfadonho talvez entorpecido por suas playlists magníficas. Ouço ao fundo “lobão tem razão...”, penso comigo “concordo plenamente”, o telefone começa a estalar uma voz cavernosa diz:

“Alô?”

“E aê Devana beleza?”

Não sei dizer se ao certo eu digo mesmo esta frase, mas foi à única que consegui imaginar.

“E aê Sakuro, Beleza?”

“Beleza.”

“E aí cara e as novidades?”

“Nada mudou, mas sei que alguma coisa aconteceu.”

“hum...”

“Mas e ai cara você já leu meu texto?”

“A sim só comecei, mas ia lê-lo agora.”

“Sua opinião sobre o mesmo?”

“A assim pelo telefone fica paia véi, quando eu tiver lido ele todo e quando nós nos encontramos de novo eu falo beleza?”

“Maça.”

“Devana estou com medo e confuso cara.”

“Ochi por quê?”

“Não sei esse é o problema.”

“desculpa cara eu tenho que ir...”

“ow calma aê tu ta deprê. É?”

“Não estou estranhamente feliz.”

“Que bizarro cara, mas por que você ta confuso, e por que se ta com medo?”

“Esse é o problema não tenho idéia do por que. Falou velho tenho que ir.”

“Tá hoje no curso nos vemos né?”

“Com certeza.”

“Então até.”

“Falows.”

“Falou...”

O telefone profere seu clique incestuoso largo-o sob seu leito de plástico e poeira. Sento-me no sofá fico observando os desenhos abstratos no meu teto, enxergo uma moça abraçando um chifre de rinoceronte signo central do meu universo surrealista, encurvo-me para frente coloco meus cotovelos sob os joelhos fico a observar meus pés fico a admirar meus dedões que são um pouco inclinados um “podologista” disse que era por que eu sou um grande sonhador, achei isso legal. O telefone toca o pego rapidamente, digo a palavra chave, perguntam-me se aqui mora uma Cibele digo que não conheço nenhuma porra de Cibele a pessoa do outro lado pede desculpas e diz que era o numero errado e desliga na minha cara. Fico meio atordoado devolvo o telefone a seu repouso fetichista. Meu visinho começa a ouvir músicas evangélicas, dou um grito alto “PUTA QUE PARIU DE NOVO!” ele eleva ainda mais o volume torturando-me com aquela merda exaltando coisas que ele nunca terá. Vou ao meu quarto fecho a janela, depois fecho seus vidros, depois fecho a porta, aumento o volume de meu computador, pego o final da Wrong Number do The Cure onde o Robert Smith diz:

“Sorry wrong number...”

Encosto minha cabeça contra a escrivaninha, com minha face direcionada ao monitor, e embebido por sua luz efêmera, adormeço...



2 comentários:

  1. Você é maluco, cara.
    Mata-me de orgulho.
    Tenho medo de você.

    O surrealismo é vc.

    " Fico meio atordoado devolvo o telefone a seu repouso fetichista."

    de onde cê tira essas coisas?

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  2. sorry wrong nunber
    Ficou otimo cara.

    Surreal, insano, musical. Genial

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